Lenda da Caparica
(2ª versão)
Vivia numa dessas pequenas e risonhas povoações
sobranceiras ao mar, por cima da rocha, ao sul do Tejo, a meio caminho
entre Almada e o Oceano, uma pobre velhinha, esfarrapada, arrastando com
dificuldade o seu corpo magro e diminuído pelos anos, sempre envolta
numa capa andrajosa, remendada num xadrez caprichoso, policromo.
Chamavam-lhe bruxa e avarenta; acusavam-na de pedir, pedir sempre, não
obstante supor-se-lhe muito dinheiro escondido não se sabia onde.
Frequentemente a escorraçavam, com gestos de enfado, recusando-lhe a
esmola.
- "Deixa a capa, bruxa..."
E ela timorata, desconfiada, humilde, replicava baixinho:
- "A minha rica capa..."
E embrulhando-se mais na capa remendada que parecia a imagem dos seus
muitos anos a pesar-lhe imensamente sobre os ombros e seguia, pacífica,
serena, rezando as suas orações, piedosamente, sem azedume, nem sinal
de mágoa.
Um dia apareceu morta no seu pobre tugúrio, desconfortável,
miserável, onde aos vizinhos só foi dado entrar depois que a morte
lhes abriu a porta.
Lá estava, num catre humilde, envolta na sua capa, na sua rica capa
como lhe chamava. Sobre os restos duma cadeira, um crucifixo abria os
braços complacentes a tanta miséria, ungindo de religiosidade o quadro
lúgubre. E sob a peanha do Cristo apareceu, com espanto, um sobrescrito
fechado, com a indicação de que fosse entregue ao Rei , com a capa.
Enterrou-se a velhinha. Mas quando se despojou o corpo da capa em que
estava envolta, se notou que esse andrajoso agasalho pesava... pesava
imenso.. um peso que os trapos não explicavam.
E com um certo temor, já superstição, a capa foi dias depois, levada
ao Rei, com a carta da velha.
O Rei abrindo o subscrito, leu as disposições da velha que lhe legava
a sua capa. Para que Sua Majestade mandasse construir uma igreja no
povoado humilde que tanto distanciava da mais próxima igreja.
Ao sentir o seu peso - sopesando por mais do que uma vez o farrapo
enxadrezado, mandou que o rasgassem. Apenas tinham começado, quando, no
meio do espanto geral, de entre os primeiros rasgões começaram a cair
dobrões em ouro; e, prosseguindo, mais dobrões iam caindo de cada
remendo da capa.
Era uma chuva de ouro...
O Rei logo ali prometeu que a igreja se construiria. Fez-se a igreja e o
povo passou a chamar-lhe da CAPA-RICA.
Capa-Rica CAPARICA.
(© Agenda Cultural da C.M. de Almada - Jan96 - baseado
no opúsculo de António Correia "Caparica- a sua Romântica Lenda) |
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