História
Considerada, em tempos, uma das localidades mais ricas do concelho de
Almada, o Monte de Caparica seria instituído sede da freguesia da
Caparica desde a sua fundação, em 20 de Novembro de 1472, por bula do
Papa Sisto IV.
Dada a sua grandeza e primitiva extensão faziam parte desta freguesia, além
do Monte, os lugares da Costa, Charneca, Sobreda, Porto Brandão e
Trafaria, localidades que devido ao desenvolvimento populacional e às
sucessivas divisões administrativas do concelho, passaram a ter a sua
autonomia própria como freguesias.
Sendo o Monte de Caparica um lugar de enorme vivência social, foi aí
fundada, em 1865, a Associação Filarmónica Protectora Monte Pio de
Nossa Senhora do Monte de Caparica, Instituição que fornecia socorros e
medicamentos às pessoas mais carenciadas. No ano de 1878, seria, também,
criada outra Associação Mutualista, denominada Monte Pio Caparicano de
Nossa Senhora do Rosário, vindo mais tarde a surgir a Monte Pio de Nossa
Senhora do Cabo.
Não foi só no mutualismo que os monte caparicanos tiveram um papel
preponderante. Também na cultura e recreio desenvolveram grande
actividade e as suas afamadas filarmónicas, a nova denominada por
"Caldeireiros" e a velha por "Marroquinos", somente após
forte rivalidade, seriam extintas em finais do século XIX. No dia 27 de
Junho do ano de 1892, seria instalado
numa das propriedades de António Augusto Teixeira da Silva, por sua
iniciativa, o Teatro Garret, com capacidade para 300 pessoas. Este notável
industrial, que veio residir para o Monte de Caparica em meados de 1876,
fundaria, também, o vistoso Hotel Central Club, vindo, mais tarde, a
desempenhar as funções de administrador-substituto do concelho de
Almada.
Terra de grande riqueza, aqui viveram grandes nomes da política e do meio
social de Almada como: Joaquim Ramos Marques, importante comerciante e
vereador municipal; António Baptista Cabral, ex-vereador e presidente da
vereação no ano de 1897; José Gomes, juiz de paz e regedor da paróquia;
João Francisco Marques, afamado comerciante e político de grande vulto
local;
Miguel M. Ricaldes da Silva, antigo almoxarife da Real Quinta do Alfeite;
e, ainda, o grande escritor e poeta romântico Bulhão Pato, autor de várias
obras, entre elas o famoso Livro do Monte, editado em 1896. Esta ilustre
figura das belas-letras, das ideias e da sociabilidade do século XIX
português viria a falecer em 24 de Agosto de 1912, estando sepultado no
cemitério local.
Não dispondo, actualmente, de grandes edificações, salienta-se como imóveis
de grande interesse arquitectónico e artístico o Convento dos Capuchos,
o recente monumento erigido em memória do Dr. José Pessoa e a igreja
matriz, fundada em 1482, bastante danificada com o terramoto de 1755 e
reconstruída durante o reinado de D. José.
Segundo o Dicionário Geográfico de Portugal, o grande zelo dos moradores
fez com que estes erigissem, no lugar onde estava situada uma ermida
consagrada a Santa Maria, uma igreja de maiores dimensões que, no dia 24
de Maio de 1482, foi sagrada por D. Nuno, Bispo de Tânger.
Este vistoso monumento de grande amplitude e linhas simples, onde
predominava um barroquismo severo, possui agora, no seu interior, vistosos
painéis de azulejos azuis recortados sobre esmalte branco, com molduras
policromadas nas paredes da nave, historiando os passos do "Cântico
dos
Cânticos", datando da época setecentista. No altar-mor existe um
retábulo de talha neoclássica podendo admirar-se uma curiosa escultura
em madeira de Nossa Senhora do Monte.
Nos restantes altares existem vários retábulos, encontrando-se, na sua
capela ao lado da Epistola, uma tela do século XVIII, representando a última
Ceia.
Neste importante templo de Almada existiu um retábulo de quatro painéis
da autoria do célebre pintor lisboeta do Séc. XVII Domingos Vieira, de
alcunha "O Escuro". Considerada, na época, como ofensiva, a
obra mereceu do Tribunal de Inquisição uma ordenação, tendo como
objectivo a sua destruição.
Do relatório da diligencia feita, por ordem da mesa da Inquisição, pelo
Padre Jorge Cabral, consta que o retábulo fora executado por iniciativa
do Cura da referida igreja, António Rodrigues das Neves, por volta de
1627, no tempo em que ele era oficial da confraria de Nossa Senhora da
Conceição, sendo o seu autor Domingos Vieira, residente em Lisboa, e
que, comummente,
assiste em casa do Conde de Monsanto.
0 parecer do Sacerdote inquiridor apontava para que se raspassem as
imagens e os respectivos letreiros do retábulo. Este dividia-se em vários
compartimentos, num dos quais estava debuxada Nossa Senhora da Conceição,
tendo, de um lado, São Tomás, que aparecia em posição humilde, e, de
outro lado, com um ar triunfante, o Dr. Scotto, "em forma que o
doutor Angélico está muito humilhado, e Escoto muito alegre",
saindo da boca de um e de outro letreiros com frases que ofendiam a
meticulosidade de certos ortodoxos.
Perante tal incumbência, foi datada em 24 de Setembro de 1634 uma certidão
comprovativa pelo então Padre da Caparica, António Luís, certificando a
raspagem das letras e das imagens do retábulo. Este pitoresco e curioso
caso, da nossa história local foi objecto de estudo e análise a Augusto
Cardoso Pinto, que em 21 de Janeiro de 1942, numa palestra realizada em
Lisboa no Museu das Janelas Verdes, dissertou sobre a obra de Domingos
Vieira e sobre o processo de inquisição a que fora submetido. Aliás
este assunto já tinha sido advertido por Sousa Viterbo na sua obra
"Notícias de Alguns Pintores Portugueses", editada em 1906,
trazendo a público
importantes documentos do cartório do Santo Ofício, relatando curiosas e
valiosas referências a esta importante peça da arte portuguesa,
desaparecida após o terramoto de 1 de Novembro de 1755.
©Artur Vaz, "Jornal da Região" de 29.9.1999
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